Henry Hudson, 49 anos entardecidos pelas lamúrias da vida, era hoje um homem, ainda que impossível conceber tal fato, entristecido por vislumbrar o findar daquela única coisa que podia dizer possuir: a vida. Era alto, esbelto, carismático e as pessoas que o conheciam não podiam deixar de notar sua singularidade, seu charme, seu glamour. Possuía longos cabelos enegrecidos, zelava mal por eles quando era necessário que fossem banhados, entretanto sentia-se feliz por possuir aqueles fios mal penteados, desarrumados, frisados, algumas vezes encaracolados. Seus olhos, velados pelos óculos arcaicos que se situavam em seu fino rosto, eram verdes como duas das mais belas esmeraldas. Seu corpo era esguio e coberto de pêlos, lembrava-se ainda que raramente dos momentos em que suas coxas eram magras e imberbes, antigos tempos em que a felicidade jorrava de seu íntimo e refletia naquele tudo que não era, nem nunca foi, nem nunca poderia ter sido. Seu humor nos faz lembrar de um violento mar, ora estava no ápice da onda emergente, ora estava no fundo do oceano ao lado dos bentônicos seres, entretanto, conforme a terra girara em torno do sol, sua meditatividade aumentaria e cada vez mais conseguiria manter-se em equilíbrio com a existência terrestre, assim estabilizando-se ao topo do mar, tal qual Jesus quando caminhava pelas águas.
Sua mente não podia parar de pensar sobre os lúgubres anseios do dormir que viria, sem talvez, um futuro acordar. O não-ser de Henry apenas observava o seu pensar, este último completamente inundado pelo pavor de se perder, de se tornar a gota d’água a se desmanchar no vasto oceano. A situação que nos encontramos, nós, humanos terrestres pode parecer-te, caro leitor ingênuo, cruel, inescrupulosa, e talvez fosse. Ao completar 50 ciclos terrestres, o ser humano em questão deve dirigir-se para a Corte Gerontológica mais próxima e tomar a pílula da morte, nomeada belamente como ‘Cicuta’, pelos mais intelectuais. Claro, o estado não poderia gastar o pouco dinheiro que lhe resta, gastar os poucos recursos terrestres para manter idosos com as capacidades físicas e intelectuais degeneradas; não poderia, nem deveria.
O Sr. Hudson, pobre saxofonista de um esquecido jazz, residia na cidade de Manchester, na Bretanha; Restava-lhe um mês, um simplório ciclo mensal para que a Cicuta lhe tirasse os restos de energia vital presentes em seu invólucro espiritual; Sentia-se feliz, sempre quis saber, pressentir o não-fim. Seu sax soava com mais feeling do que nunca; quando tocava apenas a música existia, seu ser evaporava, e gostava de comparar tal situação com a morte. Essa deveria ser como o ecoar do metal em suas mãos, não há um instrumentista, apenas as notas flutuam pelo ar, alegrando aqueles de bom ouvido.
-Preparem-me um banho, eu vou – disse Henry, a seus amigos e companheiros musicais, que dividiam aquele apartamento desleixado e mal cuidado. Eles, não entendiam o que o saxofonista proferia, suas palavras cada vez mais faziam menos sentido lógico. Ele sempre se auto declarava demente, insano, louco pela emotividade da arte, mas não tão ilógico, irracional quanto agora. Vinte e quatro horas depois do breve discurso, os devaneios do futuro não-Henry sofrem calefação, em um simples instante, aqueles líquidos pensamentos somem, esvaem-se, e o tão melodioso instrumentista percebe a sensação de todo o oceano penetrar-lhe em sua gota d’água, esta que nem podia-se dizer existir mais; momentos depois o corpo dele falece, aos 49 anos e 336 dias. Ao lado da banheira de água outrora quente, um bilhete: - Fui encontrar-me com o divino! A folha seca caí da árvore, mas a árvore não se esforça.
Demais.
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